POLENIZANDO

  Bioenergia, para quem? - Luiz Renato Almeida

No momento em que o mundo discute a necessária redução da emissão de gases tóxicos, um nome tem ganhado destaque: biocombustível. A produção de energia a partir de cana-de-açúcar ou de sementes oleaginosas, aparece, literalmente, como a salvação da lavoura.



E o herói provável é o Brasil, com cerca de 200 milhões de hectares de área agricultável, de acordo com o Plano Nacional de Agroenergia, lançado em 2006 pelo governo federal.



Mas os agrocombustíveis representam, de fato, uma saída para o colapso ambiental do planeta e uma alternativa para a agricultura camponesa, ou serão mais uma sobrevida ao agronegócio, que vai gerar impactos ambientais tão graves quanto os combustíveis fósseis?



Para a pesquisadora da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), Maria Aparecida Moraes, a corrida mundial pelo consumo de etanol pode agravar, no Brasil, uma série de problemas ambientais e sociais gerados pela monocultura da cana-de-açúcar. “É uma cultura que depende de muitos agrotóxicos e além de tudo o método da queimada. Existem vários trabalhos de químicos e bioquímicos que já comprovaram que estes gases são cancerígenos. Então é um contra-senso grande dizermos que o etanol é uma energia limpa. Limpa em que sentido?”, afirma.



O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Guilherme Delgado, acredita que as grandes monoculturas voltadas para a produção de energia poderão gerar aumento na concentração de terra e competir com a produção de alimentos. “Não é nenhuma ‘janela de oportunidades’ ao futuro, mas um mergulho profundo no que já de mais atrasado no nosso passado. Agrava nossa questão agrária, compete com a produção de alimentos e muito provavelmente repõe o efeito-estufa e outros problemas ambientais”, diz.



Neste cenário, em que as grandes multinacionais e potências mundiais investem pesado na produção de etanol e biodiesel, o pequeno agricultor cumpre um papel de resistência importante. A pequena propriedade familiar é quem poderá propor um modelo diferente de produção de energia, com respeito ao meio-ambiente e com o cuidado de manter a produção de alimentos.



É o que defende Ari Petruzatti, coordenador da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf). “Nós não aceitamos que o biodiesel venha ser uma monocultura, e nem que deixe de produzir alimentos para o consumo interno, que é a nossa principal função. Além disso, estamos disputando, trabalhando e discutindo para que o biodiesel não se torne um monopólio do agronegócio, como é o caso do álcool”, afirma.



Ari Petruzatti lembra que a diversificação da produção é o melhor caminho para a agricultura familiar. “Nós, agricultores familiares, não queremos ser meros produtores de matéria-prima, mas sujeitos do processo de industrialização. Isso possibilita agregar mais valor, diversificar a produção. Essa é a visão que nós temos como Federação”, diz.



A mesma opinião tem o engenheiro agrônomo Alexandre Borscheid, assessor do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Ele reforça a idéia de que a função principal dos camponeses é a produção de alimentos. “A agricultura camponesa, em hipótese alguma, pode se transformar em propriedade de produção apenas de biodiesel. Tem que estar inserido, porque é uma fonte de renda e uma atividade que vai estar em disputa no planeta. Mas hoje, se sabe que a imensa maioria dos alimentos produzidos vem das pequenas propriedades, vem da agricultura familiar. Deixando de ser isso, se descaracteriza, e perde força inclusive política no enfrentamento contra o latifúndio”, diz.



Na área de energia, o MPA vem desenvolvendo experiências para que o pequeno agricultor consorcie a produção de biocombustíveis com a produção de alimentos, como explica Alexandre Borscheid. “É fundamental construir bem sistemas integrados que possam produzir biocombustível e alimentos. Aí entra a importância do bom aproveitamento dos resíduos da extração de óleos”, afirma.



Em janeiro deste ano, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, anunciou que pretende produzir 132,4 bilhões de litros de combustíveis alternativos, principalmente o etanol, a partir do milho, no ano de 2016. No Brasil, a meta é produzir até 2,7 bilhões de litros de biodiesel no ano de 2013. Em relação ao etanol, a estimativa é aumento em 50% em relação às atuais 460 toneladas de cana.



Diante de números tão grandiosos, o economista Guilherme Delgado questiona: os países ricos, em especial os Estados Unidos, não estão preocupados em reduzir o consumo de energia. “Note-se que não se mexe no padrão de consumo, mas transfere-se para uma outra fonte de energia – o álcool – a responsabilidade por reduzir as emissões norte-americanas de carbono na atmosfera”, diz.



A avaliação do gerente de energias renováveis da Petrobras, Mozart Schmidt, é semelhante. Diante dos sinais de que a temperatura do planeta está aumentando, o mundo precisa rever o padrão de consumo de energia. Só parar de produzir petróleo não adiantará.



“A humanidade precisa repensar o seu consumo energético. Biocombustíveis se pode produzir tecnicamente, a partir da terra. Mas, o uso prioritário da terra é para produzir alimento, além da própria preservação do meio-ambiente. Mas, ainda que toda a superfície da Terra fosse utilizada para produzir biocombustíveis, não conseguiria manter o consumo no patamar que hoje o Planeta consome de combustíveis fósseis”, avalia.



Por causa das controvérsias envolvendo o tema, a Via Campesina Internacional decidiu que o termo “biocombustível” deve ser substituído por “agrocombustível”.



A organização avalia que o incentivo a esse tipo de combustível tem levado ao aumento das monoculturas e ameaçado a produção de alimentos. Como “bio” significa “vida” – o contrário do que na prática se verifica hoje - a entidade passou a adotar o termo “agrocombustível”.



(Trilha sonora: O Banzo Esperança)

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